hélio de sousa
Nos meus 20 anos, aceitei o convite de um amigo que morava aqui em Nova York e dei vazão a um sonho que acalantava desde menino, quando fazia esculturas do Empire State a partir de montes de areia. Na pequena cidade chamada Claudio, em Minas Gerais, minha mente cruzava as fronteiras oníricas da realidade e me via na Big Apple, hipnotizado pelo encantamento do modernismo, da revolução cultural e de melhores possibilidades de trabalho.
Cheguei aos Estados Unidos em 1977, ao mesmo tempo que iniciava o Studio 54, onde conheci a fantástica vida de uma geração livre, aberta e criativa. Presenciei o delírio emocionante de uma mistura cultural ímpar, que se expressava livremente, pontuando com arte o ritmo desta cidade maravilhosa; gente como Andy Warhol, Basquiat e muito outros entes inspiradores.
Aos 18 anos de idade fui para Belo Horizonte (MG) onde conheci pessoas relacionadas à arte e cultura. Logo me matriculei na FUMA (Faculdade Universitária Mineira de Artes) e fui tomado pela fascinação da infindável variação das cores e pelo poder de, por meio delas, expressar e retratar minha subjetividade sobre as formas que sentia ou via. Vi-me então experimentando essa fascinante habilidade.
Pouco depois, esse processo foi interrompido pela chance de morar na cidade dos meus sonhos, Nova York, e fiz tudo o que era necessário para estar nela e garantir a minha sobrevivência: frequentei escola pública, aceitei trabalhos que não teria no Brasil e segui como uma flecha em direção ao alvo, que sempre foi o mundo das artes.
Viver em Nova York tem o seu preço e, por isso, procurei profissionalizar-me o mais rápido possível. Cursei cosmetologia, tornei-me um profissional com boa reputação e proprietário de um salão. Como cabeleireiro, passei a trabalhar e a me expressar na forma, estrutura e no casamento das cores.
Passaram-se muitos anos sem que eu retomasse a pintura. Então, em uma crise existencial, percebi-me entristecido, saudoso daquela criança feliz que enquadrava o mundo com as mãos. Foi quando voltando de uma aula de yoga, vi a bota do Andy Warhol publicada em um jornal. Motivado pelo meu instinto resolvi retratar o meu ídolo a partir daquela imagem, que para mim expressava nitidamente a alma do grande artista Warhol.
Quando terminei a pintura vi meu reflexo sorrindo no espelho, feliz de ter reencontrado o menino que há muito tempo dormia dentro de mim.
Foi tão nítido para mim ver a face e a alma de uma pessoa, sua história e seu contexto social e cultural a partir do calçado, que nasceu a idéia de retratar alguém por intermédio de um sapato.
O primeiro sapato, a bota do Andy Warhol, foi totalmente inspiração. As pessoas gostaram muito da idéia e começaram a encomendar quadros para retratar lembranças de um tempo, uma história, uma pessoa, um momento especial. Há entre elas pessoas bastante conhecidas e também momentos marcantes em suas vidas registrados através do sapato, como no caso da conhecida restaurateur Ligia Bastiane que tem um quadro com o lolf (sapato) que usou quando preparou os jantares para a ocasião da visita do Papa à Nova York. Além disso, inconscientemente escolho personagens desconhecidos e os retrato através de sapatos, como no caso dos que estão expostos na loja Barney’s de Nova York, que reservou uma parede no departamento masculino, para os meus quadros.
Sapato representa muito mais do que conforto para os pés. É uma forma de expressão tão intensa, que pode transformar a pessoa e suas características. Pode criar atitudes das mais variadas, engraçada, infantil, exuberante, austera, sensual, displicente e muitas outras expressões. Assim, “Sapato tem alma” é o título que dei ao meu livro que será publicado com as fotos dos sapatos que pintei.
Olhando para o futuro gostaria que a minha arte evoluísse com sinceridade, munida das minhas percepções e interpretações acerca das minhas emoções. Quero deixar fluir sem a preocupação de intelectualizar, resumindo-me a uma partícula do mundo, mas com intenções sublime e sutil para estar aos olhos e ao lado de todos.
Quero pintar quando quero pintar, quero que seja quando fluir. Fazer da minha arte a forma da minha inspiração; quero nela sentir leveza, anular o tempo e me ver voltando, como se estivesse em um transe; quero que meus sapatos sejam vistos não como ornamentos de quartos e banheiros; quero vê-los caminhando para fora, pelos corredores, pelas salas e em todas as direções, expressando-se e provocando emoções.
Hélio de Sousa